Gracias, estimado Ruben. Lo paso al
Coloquio Cervantes. Saludos cordiales de ARL
Date: Mon, 24 Apr 2006
22:56:43 +0000 (GMT)
From: "R. D. Castiglioni"
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Subject: Luis Fernando Verissimo (Brasil) y el Quijote
To: "A. Robert Lauer" <[log in to unmask]>
Maestro Lauer,
no sé si ha leído esta crónica de Luis Fernando Verisimo. Espero que le
agrade.
Un fuerte abrazo desde Mallorca.
Sancho Panza e Ulisses
Luis Fernando Verissimo
(06/11/05) Jornal Zero Hora
Sancho Panza ou Ulisses. Um homem livre ou um cúmplice dos poderes
obscuros que o distinguiam. Kafka não tinha escolha, mas talvez tivesse
inveja
No seu livro sobre Kafka, K, o
italiano Roberto Calasso cita uma estranha ligação feita pelo autor e
encontrada num dos seus cadernos de anotações: Sancho Panza e Ulisses. A
insólita dupla representava, para Kafka, duas formas de lidar com os
demônios da criação, ou com a possessão pela arte. Kafka preocupava-se
com a arte como danação e o escritor como um ser possuído, outra maneira
de dizer que preocupava-se com a sua própria sanidade. Num diário,
escreveu sobre "o imenso mundo que tenho dentro da minha
cabeça" e como fazer para livrar-se dele sem uma ruptura, da mente
ou do seu conteúdo. Ou sem enlouquecer nem desfigurar o mundo imaginado.
***
Para Kafka, Sancho Panza encontrara uma maneira. Inventara o Don Quixote.
Era Sancho Panza que passara anos lendo romances de cavalaria e
perdendo-se em sonhos de aventuras, mas intuindo que os demônios que
liberaria se tentasse viver seus sonhos acabariam por destruí-lo.
Inventara o cavaleiro maluco para deflectir a danação na sua direção.
Para poder acompanhar de uma certa distância os embates da sua criação
com os demônios e ao mesmo tempo viver sua vida modesta de escudeiro do
personagem, e ter tempo e cabeça para, entre outras coisas, nos contar a
história de Don Quixote.
Sancho Panza é a única pessoa que Kafka caracterizou como "um homem
livre", diz Calasso. A receita de Flaubert para qualquer artista era
viver uma sólida vida burguesa e enlouquecer na sua arte. Ou ser um
Sancho Panza e um Don Quixote na mesma pele. Para Kafka, ser Sancho Panza
era proteger-se da ruptura, enganar os demônios com um disfarce,
fingir-se de simples quando quisessem atribuir suas histórias sombrias a
uma mente monstruosa. Logo ele, um pacato avaliador de seguros.
***
Curiosa palavra, "possuído", que serve tanto para o artista
como para o louco. Kafka via no Ulisses que, na Odisséia, passa pelas
sereias sem se deixar seduzir pelo seu canto a outra maneira de resistir
aos demônios, de não ser possuído. Ser maior do que eles, ou ser cúmplice
dos seus desígnios. Calasso reproduz um trecho de uma carta de Kafka a
seu amigo Max Brod que começa com a única expressão conhecida, dele, do
prazer de fazer literatura. "Escrever é uma doce, maravilhosa
recompensa, mas para quê? De noite se torna claro para mim, claro como
uma lição para crianças, que é uma recompensa por servir ao Diabo. A
descida em direção aos poderes obscuros, esta libertação de espíritos que
naturalmente são mantidos acorrentados, estes abraços dúbios e tudo mais
que pode acontecer lá embaixo, e do qual você não lembra nada quando está
em cima escrevendo histórias à luz do dia. Talvez exista outro tipo de
escrita, mas eu conheço apenas esta. À noite, quando o medo não me deixa
dormir, sei apenas isto. E seu elemento diabólico parece absolutamente
claro. São a vaidade e a sensualidade, elas circundam continuamente a
nossa figura, ou a de outros - e neste caso o movimento se multiplica,
torna-se um sistema solar de vaidades - e as consomem. O que o homem
engenhoso às vezes deseja ("Eu gostaria de morrer e ver como me
prantearão") um escritor deste tipo realiza constantemente. Ele
morre (ou não vive) e constantemente pranteia a si mesmo."
***
Sancho Panza ou Ulisses. Um homem livre ou um cúmplice dos poderes
obscuros que o distinguiam. Kafka não tinha escolha, mas talvez tivesse
inveja. O livro de Calasso termina com um trecho escrito quando Kafka
estava em Zurau, na casa da sua irmã, e já morrendo de tuberculose.
"Uma hora bonita, uma casa esplêndida, um jardim luxuriante. Você se
vira e vê, correndo na sua direção pela trilha do jardim, a deusa da
felicidade". Completa Calasso: "Uma divindade que ele só citou
esta vez".
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